Entrevistador: Oswaldo Rodrigues
Entrevistado: Yuri Victorino
Publicação: NumisPlay - Sociedade Numismática Brasileira
Nesta edição da série de entrevistas da Sociedade Numismática Brasileira, Oswaldo Rodrigues recebe Yuri Victorino, arquivista, historiador e especialista em gestão documental e patrimônio cultural. Diretor técnico do Centro de Memória e Informação Pessoal (CENIPE), Yuri traz uma abordagem inovadora sobre a numismática: uma interseção entre ciência da informação, arquivologia, história e tecnologia. A entrevista oferece uma perspectiva única sobre como coleções numismáticas podem ser tratadas cientificamente, com organização, acessibilidade e preservação de memória histórica.
Yuri Victorino é um exemplo de como a paixão por moedas pode evoluir para um projeto acadêmico e institucional. Com formação em Arquivologia e História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), ele atua também como diretor de comunicação da Sociedade Gaúcha de Numismática e participa da comissão editorial da Revista Numismática Brasileira. Desde 2009, lidera o CENIPE, uma iniciativa dedicada à organização e preservação de acervos numismáticos e históricos com base em ciência da informação.
O Centro de Memória e Informação Pessoal (CENIPE) funciona como um sistema integrado de documentação que une base de dados, repositórios digitais e organização técnica de acervos físicos e virtuais. Inspirado em metodologias arquivísticas, o projeto organiza coleções numismáticas, cédulas, medalhas, fichas, fotografias, filmes, selos, gravações sonoras, documentos históricos e imagens em movimento — tudo interligado por metadados, códigos de barra e classificação por temas, épocas e autores.
Trata-se de uma proposta inédita: transformar a numismática em objeto de ciência aplicada. O CENIPE opera com um modelo estruturado em cinco níveis de classificação — do fundo documental até o item específico (moeda ou documento). Assim, uma simples moeda pode ser relacionada a fotografias, discursos, decretos ou outros registros históricos do mesmo período, formando uma rede de significados.
Para Yuri, uma moeda é mais que um pedaço de metal: é uma cápsula do tempo, um documento que transporta informações políticas, sociais e culturais. Ao tratar moedas como documentos arquivísticos, o CENIPE propõe uma leitura multidisciplinar, integrando numismática com áreas como história, geografia, ciência da computação, biblioteconomia e museologia.
Essa abordagem permite que qualquer peça — seja ela uma ficha telefônica ou uma cédula colonial — seja inserida em um contexto narrativo estruturado, com origem comprovada, descrição técnica e finalidade educativa. Isso transforma a coleção em base para produção de conhecimento e democratização do acesso ao patrimônio histórico.
Um dos grandes diferenciais do CENIPE é o investimento em tecnologia de acesso e reprodução digital. Yuri e sua equipe desenvolveram uma plataforma de pesquisa pública baseada no software AtoM (Access to Memory), permitindo que qualquer interessado — estudante, colecionador ou pesquisador — possa consultar peças, imagens, vídeos e documentos do acervo.
Além disso, o CENIPE fornece suporte técnico e metodológico para escolas e instituições culturais. Professores podem solicitar material temático para uso em sala de aula, e o centro oferece tanto material digital quanto, em alguns casos, empréstimos de itens físicos. A ideia é inserir a numismática como ferramenta de ensino transversal.
Durante a entrevista, Yuri reforça a necessidade de se abandonar o improviso comum em coleções particulares. “Organizar é ciência”, afirma. Por isso, ele desenvolveu um guia técnico com quase 200 páginas, aplicando conceitos de arranjo documental à numismática — um verdadeiro manual para museus, arquivos pessoais ou colecionadores que desejem sistematizar seus acervos.
Entre os procedimentos descritos estão: guarda segura, classificação por época e tema, registro técnico, políticas de aquisição e planos de digitalização. Com isso, é possível garantir longevidade, acesso e confiabilidade aos itens da coleção.
O CENIPE também abriga coleções de selos, sinetes, rótulos, medalhas e objetos afins. A classificação considera as intersecções entre as áreas — por exemplo, um sinete que traz um brasão semelhante ao de uma moeda ou um selo que reproduz um evento histórico associado a uma medalha comemorativa.
As medalhas são organizadas por períodos históricos e temas (Brasil Império, República, fronteiras, conflitos regionais, etc.), e as fichas recebem atenção especial por seu caráter documental e sua diversidade de usos.
A entrevista com Yuri Victorino nos convida a repensar o colecionismo numismático sob a ótica da ciência da informação. Seu trabalho mostra que organizar é mais do que guardar — é preservar, estudar e compartilhar. Num mundo onde o volume de dados cresce exponencialmente, a metodologia arquivística aplicada à numismática é um caminho promissor para transformar coleções em patrimônio acessível e relevante para o futuro.
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