Entrevistador: Oswaldo Rodrigues
Entrevistado: Goulart Gomes
Publicação: NumisPlay – Sociedade Numismática Brasileira
Nesta aula especial promovida pela Sociedade Numismática Brasileira, Goulart Gomes – historiador, mestre em museologia e promotor da medalhística brasileira – conduz uma apresentação abrangente e didática sobre o universo das medalhas, abordando seu valor histórico, cultural, simbólico e estético. O foco é introduzir a medalhística a novos colecionadores, ao mesmo tempo em que oferece uma reflexão crítica sobre memória e representação no campo numismático.
A medalhística é a área da numismática dedicada ao estudo das medalhas. Goulart propõe uma distinção clara entre os termos “medalhista” (quem confecciona ou ganha medalhas) e “medalófilo” (quem coleciona medalhas), valorizando o uso do neologismo medalofilia como prática e campo de estudo.
A relação entre medalhas e memória é central. Gomes afirma que todos somos colecionadores de memórias, e que as medalhas representam não apenas memórias individuais, mas principalmente memórias coletivas, registrando eventos, figuras e instituições relevantes para a sociedade.
Com base em sua formação em museologia, Goulart apresenta a numismática como um estudo da representação histórica, cultural e socioeconômica através de moedas, cédulas e artefatos exônimos, incluindo medalhas. Ele adota o termo socio-numismática para descrever essa abordagem interdisciplinar, que une história, museologia e antropologia.
Na Antiguidade greco-romana, moedas e medalhas não se distinguiam claramente. Muitas moedas também tinham função comemorativa, e o valor era determinado pelo metal nobre de que eram feitas.
No Renascimento, surge o balancim, ferramenta que revolucionou a cunhagem. Com o fortalecimento dos Estados modernos, o direito exclusivo de cunhar moedas passou aos governantes. Isso impulsionou a produção de medalhas como forma alternativa de autocelebração e propaganda por parte de nobres e instituições.
Goulart defende que medalhas devem ser entendidas como elementos da cultura material, ou seja, objetos que registram aspectos da vida social de uma época. Não são apenas itens artísticos ou valiosos, mas documentos históricos concretos, com função simbólica e patrimonial.
O palestrante apresenta as principais obras que catalogaram a produção medalhística no Brasil:
Júlio Mailliet (1890): primeiras medalhas do Império.
Viscondessa de Cavalcanti (1908): catálogo abrangente das medalhas brasileiras e estrangeiras relacionadas ao Brasil.
Kurt Prober (1965): medalhas da República.
Museu Eugênio Teixeira Leal: três volumes com acervo institucional.
Cláudio Amato (2014 e 2017): catálogo de medalhas com valores estimados.
Fernanda e Alfredo Galas (2016): abordagem acadêmica e iconográfica das medalhas brasileiras.
Goulart ressalta que, até o final do século XX, a medalhística brasileira priorizava memórias oficiais, exaltando figuras políticas e eventos selecionados pelo Estado. Nos últimos 40 anos, começa-se a reparar essa lacuna com a produção de medalhas que homenageiam grupos historicamente invisibilizados, como mulheres, indígenas e afrodescendentes.
Exemplos apresentados:
Mãe Menininha do Gantois (primeira mulher negra homenageada em uma medalha pela Casa da Moeda).
Zumbi dos Palmares e índio brasileiro (em peças comemorativas contemporâneas).
A partir de autores como John B. Thompson, Goulart analisa a medalha como forma simbólica, ou seja, um objeto capaz de expressar ideologias, consolidar poderes e moldar visões históricas. Assim, a medalha pode ser instrumento tanto de representação quanto de manipulação da memória coletiva.
Goulart oferece um guia para quem deseja iniciar ou aprimorar sua coleção:
Obtenha bons catálogos – especialmente os de Cláudio Amato.
Acondicione corretamente as medalhas – evite atrito e umidade.
Use ferramentas adequadas – como lupa, paquímetro e balança.
Escolha um foco temático – por exemplo, medalhas de uma região, gravador, metal ou tema.
Aceite variações de conservação – algumas peças são raras demais para esperar pelo "flor de cunho".
Evite falsificações – compre apenas de fontes reconhecidas.
Crie um inventário da coleção – ajuda na organização e evita compras repetidas.
Participe de grupos e fóruns – como o grupo “Colecionadores de Medalhas” no Facebook.
Explore o Museu das Medalhas Online – www.mudi.com.br.
Acompanhe o Clube da Medalha da Casa da Moeda – www.clubmed.com.br.
Para Goulart Gomes, colecionar medalhas é preservar e refletir sobre a memória nacional. É também um exercício de pesquisa, curadoria e pertencimento. A medalhística é uma ponte entre o objeto e a história que ele carrega.
Seu compromisso com a divulgação e organização desse campo o tornou uma referência nacional. Ele encerra afirmando estar sempre disponível para novos debates, pesquisas e encontros.
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